Não passaram duas semanas desde que deixei um pequeno alerta quando noticiei que o conselho de administração da Qualcomm havia rejeitado a oferta da Broadcom de $70 por acção, e o meu pior receio acaba por se verificar: alguns investidores da Qualcomm estão a pressionar a direcção para que venda se o preço chegar aos $80 por acção. A movimentação mostra quer por maiores os chavões sobre responsabilidade e missão, é sempre o dinheiro que move os homens, mas mostra também uma Qualcomm vulnerabilizada por má estratégias e litigação.

Segundo a Bloomberg, diversos investidores estão a pressionar a direcção da Qualcomm para aceitar a oferta de aquisição se o preço por acção chegar aos $80, mais $10 do que a oferta inicial, e $13.5 acima do valor das acções da Qualcomm de hoje, nos $66.50.

Não há outra maneira de ver as coisas: a Qualcomm está numa posição frágil graças à litigação contra a Apple que pode vir a apostar de novo somente na Intel, e a Broadcom está a aproveitar-se dessa posição frágil para mais uma das suas investidas de aquisições e desmembramentos.

Os investidores têm motivos para se preocupar

Não sei porque ainda me surpreendo com este tipo de situações. Por mais que os accionistas e os gestores proclamem a sua missão no mundo e desejo de independência, no fim de contas é tudo business, e os investidores da Qualcomm estão naturalmente a ver simples cifrões, nada mais do que isso. Não podemos levar-lhes a mal.

A Qualcomm não tem simplesmente conseguido transformar em lucros e valorização a sua dominância em termos de processadores, gráficas e GPU para o mundo móvel. As fortunas gastas em litigação pode ter muito que ver com isso, mas também é verdade que a Qualcomm não tem tido as melhores estratégias nos últimos anos.

A parceria com a Samsung certamente permitiu a produção do Snapdragon 835 em litografia de 10nm, e o chip é todo um verdadeiro triunfo da tecnologia. Tecnicamente, o Snapdragon 835 é um chip impressionante, e podemos dizer que é o chip que forçou a MediaTek a apostar tudo e a perder, com o Helio X30, um passo que a fez desistir da gama alta para os próximos dois anos. Inversamente, no entanto, a exclusividade da Samsung nos batches iniciais do processador não deixaram nenhuma outra marca feliz.

Se estivermos correctos, tanto a LG quanto a Sony estarão a preparar os seus próprios processadores, muito possivelmente em parceria com a Intel. A Intel, que estava completamente derrotada na corrida por uma presença no mundo mobile, parece estar a ressurgir em força, aproveitando a brecha deixada pelos clientes tradicionais da Qualcomm que não querem ficar com as sobras da Samsung. Também na área dos modems, a Intel pode aproveitar para recuperar e já tem em desenvolvimento o seu primeiro modem mobile 5G.

Os investidores podem bem ver estes sinais de que o negócio não será dourado para sempre, e poderão estar a tentar manter o preço em cima o máximo que podem.

Porque é este negócio péssimo para todos nós

A Qualcomm domina o mercado mobile com microchips de elevada qualidade, incluindo os melhores processadores, GPU e modems. Desde a hecatombe do Snapdragon 810 que a Qualcomm não dá muitos passos em falso e os seus chips têm sido respeitados da gama baixa à gama alta, enquanto a empresa domina o mercado dos modems e as gráficas Adreno são consideradas as de melhor performance no mercado, por muitos.

Mas em torno destes equipamentos principais existem inúmeras tecnologias que fazem da Qualcomm uma empresa muito requisitada, incluindo chips de processamento de imagem, rastreamento ocular e realidade virtual.

Por comparação, a Broadcom é especialista em equipamentos wireless e de banda larga. Poderia parecer que ambas as empresas ficariam bem juntas, mas a Broadcom não é a Broadcom desde 2016, quando foi comprada pela Avago Technologies de Hong Kong.

A Avago tem ganho merecidamente a fama de comprar, desmembrar, e aumentar os preços das suas aquisições. Menos importada com inovação a longo prazo, a Avago tem-se focado em criar lucros rápidos com aquisições arrojadas e vendas imediatas de diversos assets.

A Qualcomm é um candidato perfeito para desmembramento. Ferozmente protectora das suas patentes, envolvendo-se frequentemente em quezílias com os seus melhores clientes, a Qualcomm é uma empresa que procura inovar e puxar pelos limites da tecnologia. É precisamente por isso que os avanços tecnológicos da Qualcomm parecem caminhar mais depressa que os seus lucros. O modus operandi da Avago tem sido o contrário: comprar a tecnologia, jogar pelo seguro, mugir a vaca enquanto possível.

Nada no historial recente da Avago e do seu CEO Hock Tan permitem pensar que seria outro o caminho. Tan, visto por muitos como um génio da gestão, não é visto por ninguém como uma força motriz da inovação.

E a Apple?

Há aqui uma grande incógnita: a Apple.

A gigante de Cupertino está na base dos maiores problemas recentes da Qualcomm. Não me compete a mim ajuizar quanto ao mérito das posições de ambas as empresas em tribunal, excepto que a oferta de compra da Avago entra em cena quando a litigação está ao rubro.

Paralelamente, a Apple e a Avago dão-se bem e existe já quem indicie que a Apple será fundamental para mediar o negócio. Diz-se que a Broadcom terá já mostrado abertura para renegociar as royalties que estão no centro da disputa entre Apple e Broadcom, o que daria incentivo à Apple para apoiar esta última na oferta de compra, em vez de chegar a acordo com a Qualcomm em tribunal. Portanto, o futuro da Qualcomm está neste momento nas mãos da Apple e esta não faz favores a ninguém. Cupertino está certamente a ver neste momento um futuro risonho à sua frente, já que tem força extra para encostar a Qualcomm à parede.

Colocar um dos predominantes fabricantes de chips nas mãos de uma das melhores aliadas da Apple enviará ondas de choque por toda a indústria.

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