Dois anos. Esse é geralmente o ciclo de substituição de um smartphone, mas as marcas tecnológicas, o marketing e os grandes eventos estão a empurrar os utilizadores para substituírem smartphones mais cedo. As consequências para o ambiente não são as melhores, já que todos os anos é necessário extrair milhões de toneladas de minério, refinar metais, produzir plásticos, e todos os anos é necessário dar um fim aos dispositivos que já não queremos. Nem sempre é o melhor destino.

Barato também pode implicar que, algures, alguém está a receber uma miséria e a trabalhar horas miseráveis para sustentar uma família. Embora esta imagem não possa ser generalizada porque todas as marcas compreendem o valor da responsabilidade social, uma marca tem ido mais longe e procurado ver até onde pode levar a ética e a sustentabilidade, criando um smartphone o mais justo possível que seja igualmente prático, funcional, e uma opção viável para utilização quotidiana.

O Fairphone 3 é a terceira geração dessa aposta e está aqui para vermos se um smartphone justo pode ser um smartphone igualmente bom.

Características do Fairphone 3:

  • Ecrã: 5.7″ FHD+ LCD
  • Processador: Qualcomm Snapdragon 632
  • Memória: 4GB/64GB e cartão microSD
  • Fotografia: principal de 12MP, 8MP selfie
  • Bateria: 3000mAh

Design com foco na reparabilidade

O Fairphone 3 é talvez o smartphone menos elegante que poderão ver numa loja. O seu look é industrial e meramente utilitário, não perdendo tempo com preciosismos ou embelezamentos, ainda se a sua traseira em plástico semi-translúcido seja pelo menos arrojada. Mas há pelo menos uma beleza metafórica inegável em toda a arquitetura sustentável e durável aliada ao Fairphone 3.

Estas linhas simplificadas e angulares são o resultado de um pensamento muito claro em nome de oferecer um produto que qualquer utilizador pode reparar e que está preparado para sobreviver a danos acima da média. Portanto, a construção é fantasticamente modular, e na caixa encontramos mesmo uma pequena chave-de-fendas com que podemos proceder a uma manutenção doméstica. Componentes como o altifalante ou a câmara, frequentemente danificados por embates ou entrada de líquidos, podem ser simplesmente desaparafusados e substituídos por novos módulos adquiridos à Fairphone. O mesmo para o ecrã ou para a bateria, que pode ser simplesmente trocada por uma suplente.

Pensemos nas possibilidades oferecidas a quem precisa de utilizar este smartphone numa zona longe de centros de reparação, ou em empresas que podem armazenar grandes quantidades de componentes para substituição rápida em vez de substituir um smartphone inteiro. Assumindo sequer que é fácil danificar este smartphone.

Digo isto porque encontramos na caixa uma proteção em borracha a toda a volta que permite amortecer a maior parte das quedas e impactos. Falta-lhe refinamento, mas não mais do que faltam a muitas capas semelhantes e cujo grande objetivo é proteger o smartphone. Função sobre forma, claramente, e isso é bom, porque dá a este smartphone uma resistência inusitada. Em troca, a sua grossura torna-o menos confortável de utilizar do que seria a norma.

Performance e experiência de utilização

Em termos de hardware, o que temos em essência é um equipamento com tecnologia com dois anos, a começar pelo Snapdragon 632 que remonta a 2018 e que, com 4GB de RAM, se pode considerar uma configuração “básica” nos dias que correm. A performance é justa para esta configuração, correspondendo a fundamentalmente todas as solicitações, e encaixando igualmente um número elevado de jogos disponíveis para Android, mas sem ser extraordinária. Os tempos de carregamento, instalação e mudança de janela não são nada de louvar, mas também não são horrendos.

Podem demorar alguns segundos a abrir a câmara ou um menu, mas quando a minha sobrinha lhe dedicou alguma atenção para os seus joguinhos não pareceu queixar-se e arrisco dizer que a maioria de nós não se queixará também, desde que a sua utilização do smartphone seja pouco exigente.

A chave para uma performance razoavelmente leve é que o Fairphone utiliza o chamado Fairphone OS, um sistema virtualmente indistinto do Google AOSP, que não introduz absolutamente nenhuma app adicional às da Google, nem se preocupa com refinamentos em termos de animações e efeitos sonoros no geral. O Fairphone 3 é dos smartphones mais limpos que podemos encontrar no mercado ao nível do sistema operativo e isso é também um ponto que poderá ser do agrado de muitos utilizadores e departamentos IT. Claro que isto significa que não teremos grandes configurações disponíveis para personalizar o telemóvel.

Um ponto menos bom do Fairphone na chegada ao mercado era contar apenas com o Android 9. Felizmente, a marca já atualizou para o Android 10 e uma simples mudança tornou o smartphone muito mais funcional e moderno. Ainda não é um smartphone apaixonante de se utilizar, não tendo truques próprios ou distintos ao nível das funcionalidades, mas é incrivelmente prático e isso é algo a seu favor.

Fotografia

Num mundo de câmaras múltiplas, o Fairphone 3 chega com apenas uma lente atrás, e não esperem qualidade fotográfica Pixel. A Google pode ter enchido os seus smartphones de algoritmos e processadores de inteligência artificial, mas o foco da Fairphone é muito diferente e, por isso, a experiência fotográfica é aceitável, mas nada de surpreendente.

As fotografias tiradas pelo Fairphone são capazes e razoáveis, com cores justas detalhe suficiente para passar o teste, mas a gama dinâmica é a que podemos esperar de um smartphone de €200, com alguma dificuldade em manter os detalhes em cenários de alto contraste.

Bateria

Definitivamente um ponto alto do Fairphone 3, a unidade a bordo, com 3000mAh, dá perfeitamente conta do recado e, para além disso, gasta muito pouco em standby, pelo simples facto deste equipamento chegar sem grandes luxos e truques. Portanto, o Snapdragon 632 a bordo é certamente um responsável pela autonomia muito interessante de um smartphone que é realmente vocacionado para profissionais e que, por isso, quererão passar pouco tempo a recarregá-lo.

E ainda bem, porque com o carregamento lento a bordo, ainda passarão algumas horas para o conseguirem fazer por completo.

Conclusão

Não tenhamos ilusões: o Fairphone 3 é um smartphone com o hardware de equipamento de €250, com um preço de €400. Conseguem imaginar o que aconteceria se todas as marcas seguissem as mesmas regras de proteção ambiental e direitos dos trabalhadores que orientam a Fairphone? A tecnologia não seria necessariamente muito mais cara, nem estaria muito mais atrasada, e a Fairphone não teria razão de ser.

Mas, tal como as coisas estão, o mundo não se guia pelos princípios da Fairphone e, por isso, o Fairphone 3 tem de ser visto por uma luz bem diferente do que aquela com que olhamos para os restantes smartphones do mercado.

Por um lado, sim, é um smartphone caro com hardware desatualizado que não se destaca por funcionalidades marcantes. No entanto, é uma ideia muito nobre e bem executada, que cumpre os requisitos para uma utilização muito razoável ao longo do dia, recorrendo apenas a materiais e preços justos para toda a cadeira de fornecedores e funcionários. Se temos no coração valores ecológicos e de justiça social, o Fairphone 3 é um exemplo a seguir.

Se o considerarmos como um exercício que pretende ver se é possível criar um smartphone prático e acessível sem prejudicar o ambiente e com justiça social, o Fairphone 3 é um sucesso. Colocar no mercado um smartphone com esta postura e com estas características é uma proeza nos tempos que correm e por isso defendo todo o mérito que tem a Fairphone por provar uma coisa: não é preciso contornar a ética nem salários justos para criar um smartphone funcional. Nem é preciso esquecermos os nossos princípios para aceder a um. A sua elevada reparabilidade e facilidade de substituição de componentes não pode deixar de agradar às empresas e aos profissionais no terreno.

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