2017 foi um ano extraordinário em termos de tecnologia e smartphones: a Huawei apresentou o primeiro smartphone com inteligência artificial, a Apple atirou-nos com o reconhecimento facial do iPhone X, enquanto ASUS e HP apresentaram os primeiros laptops com arquitectura ARM. Mas, depois, há um outro lado mais obscuro no mundo da tecnologia, aquelas invenções que ficaram pelo caminho e nunca chegaram a cumprir o seu potencial, ou aquelas cuja existência nunca deveria ter sido permitida num mundo com gente razoável.

É desses gadgets e equipamentos tecnológicos que vos vimos falar hoje aqui, para mostrar que só porque é possível, não significa que seja necessário ou sequer interessante. Mas há também aqueles equipamentos que tinham tudo para suceder e em última instância falharam redondamente.

Mortos à nascença

Essential PH-1

Crédito: Mark Gutman/Bloomberg
Crédito: Mark Gutman/Bloomberg

Inovador, potente, modular, francamente bonito, saído da mente do criador do Android Andy Rubin, o Essential PH-1 cavalgou a onda da hype na imprensa de tecnologia durante meses, até finalmente chegar ao mercado. Ou, melhor dizendo, até falhar em chegar ao mercado dentro dos prazos, sucedendo-se depois uma série de infelizes borradas por parte da Essential que conseguiu publicar dados privados dos utilizadores e cobrar cartões de crédito sem enviar os dispositivos.

As alegações de má conduta sexual dirigidas a Andy Rubin não ajudaram a aumentar a procura por um smartphone que, desde logo, mostrou bugs e mau aproveitamento do notch da câmara, e se vende agora a metade do preço inicial, sem mostrar real aumento das vendas e com o apoio das operadoras inexistente. O Essential PH-1 é um exemplo trágico de como um smartphone fabuloso pode falhar redondamente se quem está por trás dele não tiver a cabeça no sítio.

ASUS Zenfone AR

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Se necessitássemos de provas para sabermos que uma parceria com a Google não é necessariamente sinal de sucesso garantido, podemos olhar directamente para o ASUS Zenfone AR. O dispositivo foi amplamente aclamado como o primeiro smartphone compatível tanto com a tecnologia Daydream, quanto com a tecnologia Tango da Google. Para tal, o ASUS Zenfone AR possui diversos sensores na face traseira que ajudam a criar uma imagem 3D da nossa área física, para projectar no ecrã uma experiência de realidade aumentada.

Equipado com um Snapdragon 821 e até 8GB de RAM e um ecrã Super AMOLED de resolução 2K, o ASUS Zenfone AR é um smartphone impressionante. Ou foi-o, até a Google cancelar o projecto Tango e deixar o Zenfone (e o Lenovo Phab 2 Pro) carregados com sensores inúteis para um tecnologia descontinuada. O preço, esse, é inflacionado por todos estes componentes e coloca o ASUS numa posição de extrema desvantagem face aos concorrentes directos na gama alta.

iPhone 8 e iPhone 8 Plus

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Neste momento, existem apenas duas razões para comprarmos um iPhone 8: o nosso iPhone 6 está fora da garantia e não temos dinheiro para nos deixarmos roubar pelo preço do iPhone X.

iPhone 8 e 8 Plus podem não ser extraordinários, mas são pelo menos sólidos e de excelente performance. Só que não oferecem nada de transcendente sobre os seus predecessores, mantendo o essencial das funcionalidades e de um design perfeitamente obsoleto em 2017. Não teria sido totalmente trágico se a Apple os tivesse apresentado solitariamente, mas a grande maçã fez-lhes o desfavor de os apresentar lado a lado com o iPhone X, tornando este o smartphone revolucionário que toda a gente quis, e relegando o iPhone 8 para plano B, ou para a categoria de iPhone que ninguém quer, a não ser em última instância.

E o pior é que, se muitos esperaram pelo lançamento do iPhone X e não compraram o iPhone 8, pensa-se agora que o iPhone X não cumpriu as expectativas de venda, fazendo do iPhone 8 a tal “última instância”.

Samsung Bixby

Cortana, Alexa, Siri ou Google Assistant: os assistentes virtuais estão em voga e, enquanto muitas marcas apostam em implementações diversas dos assistentes já existentes, a Samsung teve que apostar no seu próprio assistente, como gigante tecnológica que é. No entanto, ao contrário da Amazon, Google ou Microsoft, a Samsung partiu de um ponto de desvantagem no que diz respeito à gestão de informações de utilizadores.

Ambiciosa, a Samsung decidiu mesmo equipar os seus principais lançamentos com uma tecla específica para activar o Bixby. No entanto, a Samsung necessitou de meses até ao Bixby estar disponível em Inglês e o Bixby tarda em chegar aos louvores e nível dos seus principais concorrentes. Conseguir desactivar a tecla Bixby ou assigná-la para outras funções tornou-se uma espécie de desporto internacional, com os utilizadores claramente a não gostarem de ter aquela tecla. A Samsung largou a toalha a certa altura, emitindo uma actualização de software para permitir a desactivação pura e simples da tecla.

À medida que mais utilizadores recorram ao Bixby, o assistente virtual da Samsung poderá ganhar novas capacidades e atingir o seu potencial, mas o seu lançamento foi decididamente prematuro.

Faraday Future FF91

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O que fariam, caso a vossa suposta grande concorrente à Tesla se encontrasse perto do colapso financeiro, sem um único produto para revelar? Não aprendendo nada com a própria Tesla ou com Elon Musk, a Faraday Future apresentou o pouco inspirado e demasiado esotérico FF91.

Mas, com toda a pompa e circunstância, fê-lo numa cerimónia que deixou todos de queixos caídos quando o veículo se moveu desajeitadamente de modo aparentemente autónomo, mas na verdade remotamente controlado, o que tornou o falhanço ainda mais embaraçoso. Com a deserção em massa dos seus funcionários, fornecedores a clamar por dívidas por pagar e especificações técnicas por substanciar, a Faraday Future é um desastre económico e o FF91 passou de “Tesla Killer” a um suicídio.

As ideias que nunca se deveriam ter tido

Spectacles nada “spectaculares”

Spectacles

Eu sei que o Snapchat vive da publicação espúria de fotografias de qualquer situação inusitada ou não, mas a rede que tem ganho mais tracção pela capacidade de engate do que pela utilidade social pensou que seria boa ideia colocar nas nossas caras óculos de gosto questionável, com um preço ainda mais questionável, e com câmaras para gravar os momentos mais parvos da nossa vida quotidiana. Obviamente porque o que mais queremos na vida é andar na rua com algo que automaticamente gera desconfiança plena em quem quer que se cruze connosco. É também justo dizer que a maioria dos utilizadores da Snapchat não tem uma vida assim tão interessante que justifique andar com uma invasão de privacidade à espera de acontecer, pendurada na cara.

Resultado: a Snap terá perdido vários milhões e ficado com um armazém destas aberrações por vender, aprendendo que lá porque achamos que os nossos utilizadores engolem tudo, não quer dizer que estejam dispostos a pagar para engolir uma má ideia.

Atari Speakerhat

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Não. Definitivamente não. A Atari está a tentar regressar à tecnologia de consumo (“tentar” é a palavra certa, já que a Ataribox se atrasou), mas o Speakerhat é o tipo de ideia que nunca deveria ter passado da primeira reunião de brainstorming. Um boné com duas colunas estéreo na pala! Quem não quereria um? Eu.

Se achamos irritante quando alguém vai no autocarro a ouvir má música no telemóvel, um boné seria bem pior. E – imagine-se – o Atari Speakerhat pode ser emparelhado com outros, talvez para podermos ser atacados por gangues com a sua própria banda sonora. Pior, só mesmo se conseguirmos fazer alguém usar o Speakerhat e os Spectacles ao mesmo tempo.

O áudio poderá ter qualidade razoável, mas é um pouco como colocar duas colunas num jumento: no fim de contas é desnecessário e não acrescenta nada de interessante ao pobre animal que anda com aquilo às costas.

Uma escova de cabelo inteligente

Eu não compreendo, mas outros podem compreender a ideia por trás da escova inteligente da Kerastase. Aparentemente, há largas dezenas de milhar de anos que os seres humanos escovam o cabelo com essencialmente as mesmas técnicas, mas a Withings (agora Nokia) e a Kerastase pensam que podem acrescentar algo mais. Não que a escova possua algum tipo de cerdas ou filamentos que façam algo de diferente ao cabelo, mas os sensores embutidos analisam os movimentos de escovagem, a resistência dos cabelos e ensinam-nos a escovar melhor a cabeça.

Por cerca de €200 podemos ter uma escova parece conhecer o nosso cabelo melhor que nós, fazendo-nos sentir perfeitamente ignorantes com tudo o que fizemos até agora em casa e no cabeleireiro.

E a falta de puro bom senso

A verdade segundo Facebook, Google e Twitter

Com a Google e as redes sociais a serem cada vez mais uma fonte de informação, vistas com crescente credibilidade por todos os utilizadores, qualquer informação veiculada por estas redes sociais adquire o estatuto de verdade.

No entanto, ao longo de 2017, Facebook, Google e Twitter mostram-se criminalmente incapazes de filtrar informações falsas e impedirem a disseminação de notícias falsas, frequentemente ligadas a tentativas Russas de influenciar as eleições Americanas ou o referendo ao Brexit. Contas falsas proliferaram no Facebook e no Twitter, criadas por trolls ou empresas especializadas em monetizar rumores e notícias falsas. Na sequência de grandes tragédias e atentados terroristas, o Google não conseguiu impedir que sites sem qualquer ligação jornalística, extremistas e conspiracionistas, chegassem ao topo dos resultados nos motores de buscas, ajudando a disseminar teorias da conspiração e gerando a confusão.

Todos os três gigantes aprenderam algo com os dissabores e criaram ferramentas para impedir que falso jornalismo se disseminasse, mas os resultados ainda estão para se ver.

Um robô comete suicídio

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Não é Silicon Valley se não tivermos uma força policial composta de robôs que parecem supositórios gigantes, mas o ano de 2017 não foi fácil para os K5 da Knightscope. Depois de um supostamente atropelar uma criança, um ou outro parece ter cometido suicídio, atirando-se para uma fonte pública. As investigações acabaram por provar que não foi de facto suicídio, mas uma escorregadela nos degraus, já que o robô estaria a regressar bem regado de uma noitada no Bairro Alto.

Mais recentemente, um abrigo de animais terá recorrido aos seus K5 (rebaptizados de K9) para expulsar sem-abrigo que usavam as redondezas da instituição para se abrigar, mostrando que nenhuma tecnologia é equipada de raiz com bom-senso, não importa quanto firmware lhe possamos injectar.

Mark Zuckerbeg oferece a Porto Rico puro mau gosto

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Quando há uma tragédia populacional, o costume é a solidariedade ser mostrada no local, ou então a uma distância segura. Zuckerberg decidiu juntar as duas num dos actos de mais inacreditável mau gosto de todo o ano, visitando Porto Rico em realidade virtual nos dias após a passagem do furacão Maria ter deixado devastação completa e mais de 500 mortos.

Se a viagem em VR era já de si questionável com os avatars perfeitamente distanciados da tragédia humana que se desenrolava, Zuckerberg conseguiu tornar tudo ainda pior com a constante injecção de marketing aos avanços da realidade virtual no Facebook, deixando todos com a ideia de que tudo não passava de auto-promoção de extremo mau gosto. O backlash foi generalizado e parece que, desde então, Zuckerberg preferiu começar a simplesmente viajar de primeira classe e não voltar a tentar a proeza em VR.

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