A conceituada Forbes publicou mais uma edição da sua lista de marcas mais valiosas a título mundial e é a destacar a entrada da Huawei para o top 100, mais especificamente em 88° lugar.

Neste Top 100 dominado pelo hemisfério ocidental e Alemanha, França, e Japão (11, 7 e 6 lugares, respetivamente), os nomes Chineses ainda têm dificuldade em se impor. As marcas tradicionais ainda transportam muito peso, mesmo que esse seja um lastro deixado por décadas passadas em que o mercado era bem diferente.

Pelo contrário, a China encontra-se em expansão, desde as sementes lançadas pelo socialismo de mercado de Deng Xiaoping, nos finais dos anos 80. Hoje é importante olhar para a lista do Top 100 da Forbes e questionar quantas das empresas nesse top dependem fortemente da China para se valorizarem, tanto como mercado, quanto como fonte de manufactura.

Mas, mais do que volume de negócios, há aqui uma questão de mentalidade e imagem. Talvez por isso tantas das empresas na listagem andem há demasiados anos arreigadas do mercado de consumo, enquanto as marcas Chinesas tardam em se impor.

  • No entanto, a Huawei impôs-se. O que a distingue?

O segredo da Huawei não são apenas os números, os cifrões ou a qualidade dos seus dispositivos. Esses são somente os elementos visíveis de uma mentalidade profunda que alicerça a acção da Huawei em todo o mundo.

Enquanto a Huawei é fortemente desafiada no seu mercado doméstico por nomes como Xiaomi, OPPO ou Vivo, no mercado internacional é a única marca que soube adaptar-se plenamente ao mercado global, integrar-se em uma ampla diversidade de enquadramentos legais e tratados internacionais de patentes.

Enquanto para muitos as marcas Chinesas são sinónimo de vendas online mais ou menos nebulosas, a Huawei foi até agora a única marca Chinesa a ousar instalar-se fisicamente em praticamente todos os mercados Europeus e Americanos onde muitas conterrâneas enfrentam desconfiança e potenciais problemas legais. Isto significa que a Huawei percebeu o valor das práticas das marcas tradicionais e jogou exactamente pelas mesmas regras que nomes consagrados, como Sony, Samsung, Nokia, Apple ou LG.

Ao o fazer, a Huawei ultrapassou o estigma do Chinês que chega por baixo da mesa com preços desleais e qualidade duvidosa. Ao o fazer, a Huawei ultrapassou o preconceito do invasor, venceu nacionalismos tecnológicos e equivaleu-se aos nomes tradicionais. Hoje, os consumidores já não olharão para a Huawei como uma marca Chinesa, mas simplesmente uma marca de prestígio.

  • Os smartphones não contam a história toda

Hoje, em Portugal, não precisamos ter um smartphone Huawei para estar dentro da esfera de negócios da empresa. Em solo nacional, a tecnológica Chinesa é das principais fornecedoras de serviços e infraestruturas de redes para as operadoras móveis, e para as grandes empresas.

A Huawei é uma pioneira na instalação de redes de próxima geração, tanto 4.5G quanto 5G. Por isso, se estabelecer uma chamada através de qualquer operadora, é provável que algures na rede exista um componente essencial da Huawei. De facto, existem em todo o mundo existem mais de 200 redes 4G: a Huawei é responsável por mais de 100.

Aqui também, a Huawei soube reconhecer os métodos dos líderes de mercado e, enquanto alguma da sua concorrência se limita à galinha dos ovos de ouro dos smartphones, a Huawei diversificou a sua área de negócios.

Portugal não é excepção: a Huawei não se limita a vender smartphones, mas monta infraestruturas de relevo. Em 2014 ligou as ilhas das Flores e Corvo por cabo oceânico em parceria com a Viatel. Por Portugal, até chegar ao Reino Unido, passa também o maior cabo submarino do continente Africano, começando na África do Sul e com uma capacidade de 5.12 terabits por segundo, também este uma responsabilidade da Huawei.

  • O paradigma dos smartphones

Se os projectos da Huawei são hoje imensos e pouco mediáticos, os olhos estão postos nos seus smartphones. Aqui, o método usual das tecnológicas é recorrer a componentes off the shelf, ou componentes já disponíveis para combinação num equipamento completo. Recorrer a estas soluções permite poupar dinheiro, mas ajuda igualmente a maior compatibilidade entre aparelhos, redes e standards.

Não há nada de errado com este caminho, mas a independência não tem preço e ditar as regras do mercado vale ouro. O sucesso da Apple ou Samsung não pode ser dissociado da sua capacidade para produzirem componentes específicos para as suas necessidades, mesmo que muitos sejam produzidos fora.A Huawei lança dois flagships por ano. Aqui o Huawei Mate 9.

Ao abrirmos um Huawei P10 encontramos memórias das Coreanas SK Hynix e Samsung, sensores fotográficos da Sony, componentes LTE da Skyworks, módulo NFC da NXP, ecrãs da JDI, etc.. Todos estes componentes são combinados e calibrados escrupulosamente pela Huawei, mas a marca desenvolve diversas opções in house.

Por exemplo, em 2004 a Huawei funda a HiSilicon que passará a desenvolver os seus processadores. Com dez anos de prática, a HiSilicon licencia a arquitectura da ARM e concebe alguns dos melhores chips do mercado. No caso do Huawei P10, a Huawei integra no Kirin 960 soluções domésticas de dados e pode dizer que este é o primeiro smartphone 4.5G do mundo.HiSilicon_Kirin_960

Neste mercado as marcas têm geralmente três caminhos, dos quais o mais difícil é o sucesso. Mais fácil é perderem-se ou na inovação que não gera tracção no mercado, ou na incapacidade para se adaptarem às novas tendências deste.

A Huawei tem conseguido manter o equilíbrio entre os três caminhos, graças a não se deixar prender pelos sucessos presentes.

  • Aposta firme no futuro

Seguindo o exemplo de grandes nomes como Intel, Microsoft, e mesmo dos seus concorrentes/fornecedores como Samsung ou Sony, a Huawei investe somas avultadas em investigação ou R&D (research & development).

Cerca de metade da força laboral da Huawei dedica-se à investigação, com a empresa a querer chegar aos $100 biliões investidos em 2020. Face ao seu volume de negócios, a Huawei é das marcas que mais gasta em investigação e desenvolvimento, 15% em 2015.

Este volume apoia igualmente investigações em universidades e centros de investigação no mundo inteiro, em áreas tão diversas quanto baterias automotivas, redes, serviços na nuvem, computação quântica  ou o clima.

  • Um ingrediente secreto

Entre os principais concorrentes da Huawei na área das infraestruturas de rede encontram-se Ericsson ou Nokia.

Ambos os nomes tiveram em tempos uma forte presença no mercado dos telemóveis, mas ambos se mostraram incapazes de fazer algo que a Huawei fez de modo exímio: interligar os seus produtos do mercado de consumo, com a oferta empresarial e serviços de rede.

Cada elemento recebe benefícios do outro, e a Huawei capitaliza nos smartphones todo o seu know-how a nível de redes e vice-versa.

  • Uma empresa diferente de todas as outras

Aquilo que a Huawei é representa o que a Huawei foi desde o seu nascimento.

A empresa começa em 1987 pelas mãos de um engenheiro do Exército de Libertação, Ren Zhengfei, com uma dúzia de funcionários e o equivalente a $5.000.ren-zhengfei

Por então, a empresa venderia equipamentos telefónicos de Hong Kong. Só em 1994 a Huawei teria o seu próprio produto, uma central telefónica de 2,000 linhas, a Huawei C&C08.

Muito cedo, Ren Zhengfei definiu a Huawei como cliente-cêntrica, e a Huawei ganhou o seu nome como uma empresa capaz de fornecer um excelente serviço aos clientes. Poderá parecer óbvio que este é o foco de qualquer empresa, contudo Nokia ou Motorola são apenas dois exemplos de empresas que se focaram tanto nas suas buscas por novas tecnologias e projectos próprios que deixaram de ouvir os clientes. Hoje ainda recuperam.

Zhengfei é alguém reverenciado dentro da Huawei, mas embora a marca olhe para o exemplo de Steve Jobs ou não esqueça as filosofias iniciais do seu fundador, a Huawei não se deixou prender ao culto da personalidade.

Enquanto na Coreia muitos atribuíram a hecatombe do Samsung Galaxy Note 7 à cultura dinástica do gigante tecnológico, ou enquanto a Apple mostra sérias dificuldade em encontrar a sua identidade pós-Jobs, a Huawei recorre a um sistema rotativo de CEO eleito por voto.

Um sistema inovador e que quebra as práticas implementadas do timoneiro todo-poderoso sem o qual a empresa não existe, o sistema de rotatividade da Huawei assegura renovação e estabilidade.

Neste sistema, três directores revezam-se como CEO por períodos de seis meses, enquanto outros quatro directores são membros permanentes do conselho de direcção. Graças à sua natureza de empresa detida pelos funcionários, os vários milhares de funcionários da Huawei primeiro votam democraticamente em sessenta representantes que posteriormente elegem candidatos ao conselho de direcção.

Cada um desses candidatos será depois apresentado aos representantes que votam nos últimos sete.

Modernista quanto baste, a Huawei não deixa de ter as suas razões filosóficas e religiosas e o sistema surge da alegoria dos patos migratórios, que só chegam ao seu destino porque os líderes das formações se revezam na condução do bando.

Zhengfei, olhando com certa admiração para os grandes líderes tecnológicos, quis evitar para a “sua” Huawei o estagnar de ideias ou o desnorte da perda de um líder. Aqui as aspas justificam-se: num mundo de magnatas e patriarcas que detêm grande parte do capital das suas empresas, Zhengfei detém menos de 2% das acções da Huawei. Dá para que seja um dos seiscentos homens mais ricos da China, proporcionalmente uma modéstia, face à dimensão da Huawei e das suas empresas.

A marca não fica assim refém da visão de um só líder, nem de percursos mantidos a viva força até ser tarde demais. É uma abordagem bem diferente daquela a que nos habituaram inclusivamente muitas empresas nacionais que dependem fortemente de dinastias familiares e figuras de proa omnipresentes, por vezes com resultados desastrosos.

  • O rosto da nova China

O 88° lugar na lista da Forbes reflecte muito mais do que volume de negócios, mas confiança e expectativas dos seus parceiros, e a capacidade para se sobrepor aos que ainda hoje são vocais detractores de tudo o que chega da China.

Mas a posição na lista torna também a Huawei o rosto mais visível da nova face tecnológica da China. É uma face que supera o conservadorismo e o regionalismo de muitas conterrâneas e se adapta a mercados diferentes sem receio de arriscar.

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