De súbito, o seu smartphone entra em modo de poupança de energia. A bateria ainda está com grande capacidade pela frente, e você jura que não tocou em nada, mas uma vez que desligue a economia de bateria, esta volta a activar-se. Isso não é um bug, é mesmo a Google a controlar o seu smartphone à distância.

Não é hoje em dia mistério para ninguém que um smartphone recolhe uma enorme quantidade de dados pessoais para benefício da Google, permitindo-lhe angariar receitas em publicidade, refinar o seu targetting, e – obviamente – melhorar os seus serviços básicos de localização, sugestões e entrega de mensagens/dados. Os dados são anonimizados, randomizados, como se costuma dizer em estatística, o que significa que ninguém poderá perceber que determinados dados pertencem a determinada pessoa.

Mas, até agora, poucos pensavam que a Google pudesse ter um controlo remoto tão apertado sobre os nossos smartphones que lhe permitisse alterar definições específicas, como a poupança de bateria. E muitos continuariam sem o saber, se não fosse alguém ter cometido um erro crasso durante uma experiência de poupança de energia, que acabou por activar a funcionalidade remotamente em diversos Pixel e Essential Phone.

O erro da Google deixa no ar a preocupante dúvida quanto até que ponto os nossos smartphones são mesmo nossos. Invoco sempre a hecatombe que foi o Samsung Galaxy Note 7 e percebemos já por então que a Samsung podia agarrar nos dispositivos e limitá-los sem qualquer controle daqueles que por eles tinham pago um direito de propriedade, por assim dizer.

Agora, se a Google consegue activar e desactivar o modo de economia num smartphone, que mais pode afinal activar ou desactivar à distância. Não é mirabolante pensar num kill switch que transforme os nossos Android num pisa papéis, e por mais tentadora que seja a ideia de uma backdoor, esta não deveria sequer existir. Ponto final. Porque viola por completo o direito dos utilizadores à privacidade e à decisão própria sobre como querem usar o seu dispositivo, e porque representa um perigo colossal para todos.

Em 2016, o FBI fez grande pressão junto das tecnológicas para que instalassem backdoors nos seus sistemas operativos de modo a facilitar a vigilância governamental, em nome da “segurança nacional”. Apple e Google foram por então peremptórias na sua rejeição da proposta, optando por encriptar por defeito todos os dispositivos. Era óbvio para qualquer um que os dispositivos móveis são já fáceis de hackear mesmo que não exista já uma porta de entrada disponível. Fazê-la, causaria perigos potencialmente desastrosos.

Este acidente, no entanto, mostra como não é difícil para a Google alterar definições do sistema, independentemente de quais as suas intenções.

Há mesmo motivos para alarme?

A discussão sobre este assunto será intensa, certamente. Os Google Play Services actualizam-se automaticamente em todos os smartphones Android sem qualquer aviso ao utilizador, o que permite à Google testar novas funcionalidades em sistemas finais, ou simplesmente instalá-las sem pré-aviso ao utilizador final.

E a Google faz isto constantemente, o que lhe permite refinar alguns detalhes do seu – é preciso realçar a parte do “seu” – sistema operativo, sem que as próprias marcas tenham que se preocupar com actualizações e novo firmware. E permite-lhe igualmente injectar funcionalidades de teste para programadores antes de fazer o rollout para o público em geral. De facto, os mais atentos saberão que existem inúmeros momentos em que a Google menciona que começará a testar a funcionalidade X ou Y.

A Google não está sozinha neste ponto, como é óbvio, e tanto os dispositivos iOS quanto os Windows podem sofrer actualizações que alterem funcionalidades específicas sem que o utilizador final se dê conta. A questão não está genuinamente aí, mas no modo como é tão fácil uma prática se transformar num problema acidental para todos.

A novidade não está, portanto, em controlar funcionalidades à distância, mas no facto dos utilizadores se terem apercebido da alteração. Se temos problemas com isso, há algumas maneiras de o impedir. Até certo ponto pelo menos.

Como impedir os Serviços do Google Play de alterarem o seu smartphone

Todos temos os Serviços do Google Play instalado por defeito nos nossos Android, já que esses serviços controlam todas as apps Google e o sistema em si. E talvez nunca tenhamos visto bem as permissões que os Serviços têm, ou já nos teríamos apercebido que têm permissão para fazer tudo. No caso específico das alterações ao nosso sistema, temos de ir às DefiniçõesServiços do Google Play e na lista Avançado, desactivar a permissão para Modificar configurações do sistema, que se encontra activa por defeito.

Mas deverão fazê-lo? O alarmismo aqui será um inimigo, e todos deveremos ponderar primeiro qual o equilíbrio que queremos ter entre privacidade e actualizações de sistemas e funcionalidades.

 

 

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