Os verdadeiros fãs de livros têm dificuldade em largar o seu papel em prol de um leitor, e sei bem como lhes sinto a dificuldade. Eu próprio não abdico da recorrente publicação em papel, onde cheiro e textura se misturam com as linhas e as histórias, mas com um equipamento como o Kobo Clara 2E, a experiência de utilização é tanto parte do gozo como desfolhar uma página geralmente o é. Sucedendo a um dos mais bem-queridos da Kobo, o Clara HD, o Kobo Clara 2E é um convincente leitor de eBooks que cabe no bolso e onde cabe toda a nossa paixão literária.
Do Clara HD ao Clara 2E, o caminho não é muito grande e os dois leitores são difíceis de distinguir: do design às dimensões, uma receita vencedora viu-se ajustada nos pontos certos, com um ecrã melhor e mais nítido, a tecla power deslocada para a traseira onde insistentemente me perguntavam se era uma câmara, e acima de tudo uma construção mais ecológica, com a concha exterior fabricada predominantemente de plástico reciclado, de onde compreendemos a origem do “E”: Eco. Tudo bem arredondado, o Kobo Clara 2E vai despertar em nós a paixão pela leitura.
Uma pequena lista de significativas melhorias
Já falei da construção mais ecológica, da deslocação da tecla power para o painel traseiro e mesmo do ecrã evoluído. Mas, nesta história das pequenas e significativas mudanças, não podemos esquecer a porta USB-C, que torna muito mais fácil ver o Clara 2E como um reader que vai a todo o lado. Afinal, bastará o mesmo cabo para carregar o telemóvel, um tablet, o Kobo e mesmo alguns portáteis.
Entretanto, os amantes dos audiobooks recebem uma importante benesse na forma de bluetooth, julgo que pela primeira vez num Kobo. Como é normal num leitor – porque que me recorde, esta é a norma – o Clara 2E não tem altifalantes com os quais possamos ouvir audiolivros, mas francamente talvez essa não fosse a melhor das ideias. Equipamentos deste tamanho raramente primam pela qualidade que um bom audiolivro pede. O acrescento do Bluetooth permite-nos emparelhar auscultadores ou colunas bluetooth externas para usufruirmos de melhor qualidade, mas os incondicionais dos auscultadores com fios terão pouca sorte.
De nota que os audiolivros estão disponíveis via Kobo Plus, mas não parece haver uma forma de passar para o Clara outros audiolivros que tenhamos armazenados.
Tão pequeno, e tanta paixão
O Kobo Clara 2E é um pequeno bijou que, sem a sua capa, facilmente cabe no bolso traseiro de uns jeans, e esse é um seu grande argumento. Para ler comics ou publicações com imagens, prefiro de longe o ecrã razoavelmente maior do Kobo Libra 2, mas o Clara 2E é o Kobo para ir a todo o lado sem estorvar. Pesa tanto quanto um telemóvel, menos que um tablet, e é intrusivo ao mínimo. Utilizá-lo por longos períodos é confortável e não causa fadiga por comparação a equipamentos maiores, mas mais pesados.
Porquanto seja inteiramente fabricado em plástico, o Clara 2E pelo menos exibe alguma qualidade e solidez geral. O plástico possui uma textura granulosa que favorece a tração e o torna pouco propenso a escorregar, enquanto os relevos em forma de ondas invocam de certo modo a sua postura ecológica, com 85% de plásticos reciclados utilizados no seu exterior. Se na sua construção entram plásticos de outro modo destinados aos mares, a água não entra por seu turno neste reader à prova de água (IPX8) e que por isso poderá ser facilmente utilizado perto de piscinas, talvez o setting #1 para qualquer amante de leitura.
Os rebordos em torno do ecrã são apreciáveis, mas consistentes com o que o mercado oferece e não são nivelados com o painel E Ink Carta. Em contrapartida oferecem uma superfície muito favorecedora para segurarmos o leitor com firmeza e segurança.
Por dentro, temos o mesmo processador do Libra 2, o que significa que o desempenho é muito semelhante entre os dois equipamentos, algo que, na prática, significa um desempenho sólido se não veloz, como poderíamos esperar de qualquer equipamento nesta gama de preço. Falamos de um processador a 1GHz com 512MB de RAM, enquanto o armazenamento de 16GB é mais do que suficiente para armazenar uma extensa biblioteca de livros.
Com 6 polegadas, o ecrã é sem dúvida o argumento de topo do Clara 2E. O painel E Ink Carta 1200 é terrivelmente bom para leitura, oferecendo excelentes contrastes e textos nítidos, tanto na visão normal, quanto em modo escuro, pontos a que não é alheia a sua resolução de 1448×1072 com 300 PPI, valores bem elevados para um ecrã tão pequeno. O slider para ajustar a temperatura da cor é funcional como sempre, e permite-nos optar por uma sensação de papel mais natural, ou pelo menos mais afim do nosso gosto. Pelo menos como vem sendo a minha experiência, um mínimo de luminosidade é o que precisamos para conseguir extrair uma experiência de leitura natural e agradável, com um mínimo de reflexos intrusivos, mesmo com luz direta, num desempenho que me parece espetacular neste aspeto.
Ao mesmo tempo, jogando bem com a interface e com o processador, o ecrã relativamente rápido e sensível, respondendo agradavelmente a solicitações para aumentar ou diminuir as fontes, navegar em páginas ou menus. Os gestos estão, por seu turno, muito bem implementados com um beliscar a diminuir rapidamente o tamanho das fontes, ou um afastar de dedos a aumentá-la.
A única omissão potencialmente importante para lermos publicações é a ausência de reorientação automática do ecrã: com o Clara 2E há apenas uma posição para usarmos o ecrã e é sempre em modo vertical. O Kobo Libra 2 já oferece reorientação para modo de paisagem, se isso for importante para vós.
Uma capa está também disponível que não só protege o Kobo, como permite suportá-lo numa posição confortável para leitura numa mesa ou outra superfície, acrescentando volume, é certo, mas também funcionalidade. Fechar ou abrir a capa automaticamente coloca ou Clara 2E em suspensão ou acorda-o, permitindo poupar melhor a bateria.
A interface é uma das estrelas da Kobo
Os Kobo gozam justamente de um bom nome na praça que se entende perfeitamente quando manuseamos um. Por fora, o plástico é sólido e de qualidade para o seu valor, e no caso do Clara 2E, certamente há valor acrescentado na sua construção à prova de água. Mas o esforço da Kobo não acaba no exterior e transporta-se para o interior que outros poderiam negligenciar.
O software da Kobo é simples, intuitivo e completo. Não nos perdemos ao tentar alterar as fontes, o seu tamanho ou a navegar entre diversas opções, como tirar anotações, consultar o dicionário ou mesmo criar sublinhados. Um pressionar demorado numa palavra automaticamente abre um pequeno menu que permite adicionar notas, destacar/sublinhar, e invoca logo um dicionário com a definição da palavra selecionada. A opção “pesquisar” depois permite ir mais longe e usar a rede para pesquisar online dados adicionais, para que nenhuma leitura perca o seu sentido. E é assim tão fácil.
Navegar entre páginas, entretanto, pode ser feito com um toque à direita ou à esquerda para avançar ou recuar, respetivamente, ou efetuar um deslize nas mesmas direções para as mesmas ações, enquanto um toque na base ou topo do ecrã abre as definições rápidas de navegação para aceder ao índice, luminosidade, fonte e outras definições. Com a responsividade do ecrã, não sentimos particularmente falta das teclas físicas de alternativas como o Kobo Libra 2, embora existam com toda a razão os seus partidários.
Se algo pode ser dito da interface que não seja totalmente positivo, é que apesar do desempenho ser efetivamente sólido, cada ação leva o seu tempo, na casa de 1s ou logo abaixo desse valor. Seja navegar em menus, seja nas páginas de um livro, e embora este tipo de parcimónia seja expectável num leitor de eBooks, é sempre um ponto que deve ser melhorado para tornar o “desfolhar” do livro mais agradável. Os eBooks com imagens, por outro lado, também podem ficar algo mais lentos em alguns momentos, o que definitivamente pode ser melhorado.
Por outro lado, ler pode ser uma questão de nos desafiarmos quando o cérebro quer apenas estar preguiçoso. A Kobo inclui um menu para nos desafiarmos: a opção atividade mostra-nos quanta horas lemos, quanto tempo por sessão, e podemos mesmo oferecer prémios a nós próprios pelo cumprimento de determinados objetivos de leitura. O facto de cada sessão de leitura de minha parte durar em média 6 minutos diz imenso dos tempos de paragem à espera de um transporte ou enquanto tomo um café rápido, mas é grão a grão que se enche o papo, certo?
Este ano, o Clara 2E traz mesmo (onde disponível) a opção de alugar livros diretamente de Bibliotecas locais, em acréscimo aos serviços de subscrição que por cá incluem um apetecível acordo com a Leya. A enorme compatibilidade de formatos da Kobo significa também que poderemos facilmente carregar a nossa coleção de livros, com o browser escondido nas funcionalidades Beta a ser uma ajuda preciosa na transferência de ficheiros via Wi-Fi. A vocação principal são os PDF e EPUB, mas os formatos CBR e CBZ também estão disponíveis para os amantes de banda-desenhada, além dos formatos MOBI, TIFF, JPEG, RTF, HTML, entre outros.
Estes formatos são bem encaixados pelo Clara, se bem que as publicações com forte presença pictográfica são menos favorecidas pelo ecrã pequeno e os leitores de conteúdos altamente gráficos poderão preferir um ecrã maior, como o do Libra 2.
Bateria para leituras intermináveis
As baterias num E-Reader podem ser confusas para quem está à espera da linearidade de um smartphone. Tal como já tinha notado com outros equipamentos, a bateria do Clara 2E parece durar mais agora, ao fim de algumas semanas, do que logo de início, quando me parecia que seria capaz de aguentar menos de uma semana com umas duas horas de leitura diária.
Agora vai em duas semanas de leitura com a mesma intensidade, e com mais metade da bateria ainda disponível, o que me parece francamente irrepreensível. Claro que raramente subo a luminosidade acima dos 25% e muitas vezes simplesmente a desligo, mas isto é uma excelente indicação do tipo de maratonista que aqui teremos. Estes equipamentos realmente surpreendem com o que conseguem fazer com uma pequena bateria de 1500mAh, oferecendo a segurança de no pior dos cenários, após dias e dias de negligência, podemos sair de casa com a bateria no casco, que ainda dará para umas boas horas de leitura.
Conclusão
Como muitos, tenho uma enorme paixão por leitura, sejam romances, sejam periódicos, mas sou também um viciado no peso, textura, cheiro e segurança que um livro transmite na mão. Mas um livro nem sempre é prático de levar comigo na mais pequena das circunstâncias. Equipamentos como o Kobo Clara 2E são uma alternativa perfeita a andar com o livro sempre atrás na mochila do trabalho ou no bolso, tornando a leitura tão simples, quanto circunstancial: quaisquer 5 minutos à espera de um autocarro ou durante o café servem para passar os olhos por umas linhas.
Porquanto não seja “papel”, o Kobo Clara 2E é um bom simulacro desse material e toda a experiência de leitura é rica e relaxante, ao mesmo tempo que cabe no bolso. Com um preço de €149, o Clara 2E está num ponto muito simpático, bem equilibrado entre equipamentos mais caros e os equipamentos budget que levantam sempre muitas reservas. Pelo contrário, o Kobo Clara 2E segue as passadas de um bem-amado leitor da Kobo para oferecer excelente custo-benefício e uma experiência de leitura do melhor nível, tornando-se o catalizador certo para desbloquear o nosso vício de leitura.