Mark Twain disse uma vez: as notícias da minha morte foram largamente exageradas. Com a MediaTek é ao contrário e o gigante tecnológico está num caminho degenerativo que o pode colocar ligado às máquinas em muito pouco tempo. E só a MediaTek parece ainda não o ter notado.

Os sinais são imensos e estão a acumular-se a uma velocidade furiosa: ninguém parece querer os processadores da MediaTek. Ou melhor, ninguém quer os novos processadores da MediaTek.

Helio X20, ninguém quer brincar contigo

Esta semana ficamos a saber algo preocupante: ninguém quer o MediaTek Helio X20 e a MediaTek está com chips empilhados até ao tecto, vendendo-os em desespero por uns miseráveis $20.

O Helio X20 é o primeiro SoC deca-core do mundo, implementando uma inovadora solução de dez núcleos de processamento em três clusters ou agrupamentos. O chip recebeu bastante apoio por parte dos fabricantes Chineses como a UMi, mas ou não foi suficiente, ou a MediaTek foi demasiado optimista nas projecções de venda e ficou agora com hardware por vender.

Isto não seria particularmente grave se a MediaTek não tivesse já lançado um sucessor, na forma do Helio X30.

Mas quando foi a última vez que um smartphone chegou ao mercado com o X30?

Nunca. As más línguas dizem que a MediaTek está a passar por problemas de fabrico gerados pela enorme dificuldade tecnológica para se produzir um chip em litografia de 10nm. Atrasos na produção, ou insuficiente qualidade do produto final, não se sabe, mas é possível que o Helio X30 esteja a ser incapaz de chegar à performance esperada.MediaTek_Helio_X30-Diagram

Se alguns terminais já se alinham para usar o potente deca-core, nenhum chegou até agora ao mercado, enquanto o grande rival da Qualcomm, o Snapdragon 835, começa a mostrar o que vale.

Tudo parece indicar que a MediaTek está este ano fora de qualquer pretensão a competir com a Qualcomm na gama alta. Não ajuda nada o fabricante de Taiwan que diversos dos seus clientes Chineses se encontrem em sarilhos financeiros. É o caso da LeEco, endividada até ao tutano, e que parece incapaz de lançar um único terminal moderno que seja. Os seus mais recentes smartphones são francamente antiquados, recorrendo ao Snapdragon 820 do ano passado para se fazerem passar por flagships.

O Helio X20 tem, no entanto, ganhado novo fôlego com as suas vendas a preço da uva mijona, surgindo em terminais como os Meitu M8, Elephone S8 e Vernee Apollo X. Serão excelentes smartphones, mas a sua existência aproveita-se do saldo no X20, em detrimento do Helio X30. A MediaTek encontra-se por isso numa nada invejável situação em que um processador excedente entra em concorrência com um processador mais recente que a MediaTek já mal consegue vender.

E não nos enganemos: por mais interessante que o X20 seja, é um chip obsoleto que não fará nada pela fama da MediaTek nesta fase. Com núcleos Cortex-A7 e litografia de 10nm, o Helio X30 é extremamente mais potente e mais eficiente do ponto de vista energético. Se a MediaTek não o colocar no mercado em escala, não é só este ano que fica ameaçado, mas os próximos: Samsung e Qualcomm já estão a ensaiar a produção de chips em 7nm, pelo que dominar a actual geração de tecnologias é fundamental para a MediaTek não se ver completamente fora do mercado de gama alta.

O visitante a jogar no campo do adversário

Não que a MediaTek estivesse conotada com a gama alta. O fabricante sempre se deu bem com chips baratos e equipamentos económicos. De facto, chips como o Helio P20 presente no Sony Xperia XA1 oferecem aos fabricantes boas especificações a preços apetecíveis. Mas com uma margem de lucro a diminuir, a MediaTek decidiu atirar-se à gama alta com os seus deca-core, uma estratégia agora falhada.

A Qualcomm fez o inverso e inundou o mercado Chinês com chips de gama média, conquistando uma fatia crescente do mercado e agarrando marcas tradicionalmente ligadas à MediaTek, como a Xiaomi, Vivo e OPPO.

A percepção geral é que a MediaTek tem chips inferiores. Esta percepção não é totalmente verdade, mas não é uma completa mentira. Nos segmentos de entrada de gama e gama média, os chips MediaTek são potentes, mas recorrem tradicionalmente a litografias menos avançadas, com impacto energético maior.

Dois pontos onde a MediaTek está definitivamente atrás são as gráficas e os modems. A ARM não tem conseguido fornecer gráficas tão capazes quanto as da Qualcomm, mas a situação nos Modena é pior: já não será este ano que a MediaTek terá um modem LTE Categoria 12, enquanto o MediaTek Helio P23 será o primeiro chip com LTE Categoria 7, enquanto a Qualcomm já tem ambas no mercado.

De facto, o novo Qualcomm Snapdragon 660 deverá ser um forte inimigo da sanidade financeira da MediaTek, já que possui excelentes especificações e um modem avançado.qualcomm_snapdragon_660-2

A MediaTek não terá apostado o suficiente na conectividade, quando o seu mercado era precisamente o Chinês, onde a evolução das redes tem sido extraordinária. Agora os produtos Qualcomm são simplesmente mais atraentes.

Apanham-se mais moscas com mel

Mas em última instância o problema da MediaTek é um de atitude. Os fabricantes querem cada vez mais controle sobre os seus dispositivos e os consumidores desejam cada vez mais acesso a software actualizado. Isto é algo que não vai acontecer com a MediaTek.

O seu modelo de negócio consiste em manter um apertado controlo sobre os processadores, só fornecendo os códigos de acesso contra pagamento. Efectivamente, isto bloqueia os dispositivos à actual versão do Android, e transforma a MediaTek numa marca indesejada para os smartphones aos quais as marcas querem prestar apoio durante pelo menos dois anos. Do lado do consumidor, quereria alguém largar seiscentos euros num terminal que jamais seria actualizado, face a outro de preço semelhante que recebesse os novos sistemas Android?

A MediaTek precisa, acima de tudo, colocar-se numa posição em que ouve os seus parceiros e não lhes nega a capacidade de melhorar os seus produtos. A sua estratégia na gama alta está praticamente encostada ao canto, e talvez seja o momento ideal para a MediaTek repensar tudo.

Se a atitude não mudar, não há chip que salve a MediaTek, não importa quão bom seja. Mas aqui reside o problema: a MediaTek não parece ter percebido isto.

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