Quem se interessa pela realidade mista e pela realidade aumentada já ouviu falar sem dúvida da Magic Leap, uma startup que já conseguiu angariar perto de 2 biliões de Dólares em investimentos, mais 6 biliões na bolsa, sem ter um único produto no mercado. Bom, mas finalmente tivemos um vislumbre do que a Magic Leap andou a fazer nos anos desde 2011 com este dinheiro sem fim, com a revelação dos Lightwear.

Lightwear ou Vapourware

Passaram seis anos desde a fundação da Magic Leap, e a startup passou os últimos anos a tentar explicar a toda a gente cá fora que de facto tinha algo em carta, mostrando esporadicamente protótipos que não se pareciam com nada, nem se sabia o que fariam. Portanto, com o passar dos anos a existência de algo concreto passou a ser colocada em causa.

De algum modo os investidores nunca pararam de fazer chover dinheiro, se bem que a Essential também conseguiu $2 biliões para vender 50.000 smartphones ao longo de um processo ridiculamente acidentado. Por isso, o investimento em startups vale o que vale.

Mas agora, ao olhar para o que a Magic Leap anunciou, não posso deixar de ficar impressionado, mas impressionado com um grande “UAU”, no sentido de “UAU, seis anos e temos renders de computador e zero specs”.

Porque num passo tipicamente Magic Leap, a empresa conseguiu anunciar um produto sem o mostrar fisicamente, nem dar um único ponto de especificações de hardware, software. Nada.

No seu cerne, o Lighwear parece que terá o seu próprio processador para processar sinais via wireless, e concentra-se no conforto de utilização. Não sabemos mais nada.

A fina linha entre ciência e treta

A maioria dos equipamentos de realidade virtual, realidade aumentada ou mista tem uma coisa em comum: sabemos fundamentalmente qual o seu hardware e como funcionam. Não é assim com a Magic Leap, que continuou hoje na sua habitual senda de usar muitos termos técnicos que levam a becos sem saída, parecendo mais um episódio de Star Trek, que um manual técnico realista.

Por exemplo, o Lightwear inclui um Lightpack, que será um micro computador do tamanho dos óculos propriamente ditos, e que a Magic Leap compara a um Alienware, excepto que eu sei o que há dentro de um Alienware e ele certamente não me cabe no bolso. Deste computador sei que é capaz de “visão computacional”, utilizando “aprendizagem automática” para “sentir” o mundo circundante.

Se se perderam a meio da frase, bem-vindos a uma reunião com investidores que só pensam no dinheiro que vão ganhar quando ouvem uma rajada de termos técnicos cujo significado não compreendem.

"É como um Alienware", mas sem qualquer especificação.
“É como um Alienware”, mas sem qualquer especificação.

Depois temos os óculos e aqui as coisas tornam-se ainda mais interessantes: as lentes são feitas de um equipamento translúcido, ou “bolachas fotónicas”, que supostamente fazem passar a luz via “nano-estruturas” que criam um campo de luz, através do qual a informação do nosso ambiente é como que injectada directamente no nosso cérebro, ajudando-o a criar uma imagem do nosso envolvente, em vez do aparelho a criar e a enviar para os nossos olhos.

Neste momento, eu já teria dado todo o meu dinheiro à empresa, e ainda não teria visto nada disto funcionar.

Mas, falando a sério, o Lightwear não cria imagens, mas pretende estimular o cérebro para que este as crie. A resultar, isto será fundamentalmente revolucionário, mas são teorias tão próprias dos fundadores da Magic Leap que não há qualquer corpo científico de investigação neste campo.

E para provar o que isso significa, a Magic Leap fornece-nos renders estáticos de dinossauros numa mesa que fazem um Sony Xperia rir-se. A sério, olhem para aquilo: é uma confusão pegada:

Eu consigo fazer isto com um Xperia!
Eu consigo fazer isto com um Xperia!
É como se alguém tivesse espirrado clichés.
É como se alguém tivesse espirrado clichés.

Bullshit por todo o lado

Ler as declarações da Magic Leap à Rolling Stone é como ver uma reunião de accionistas, onde um conjunto de milionários se assombram com o milagre tecnológico espelhado num discurso carregado de palavras-chave que não concretizam absolutamente nada. É como se Rony Abovitz estivesse deliberadamente a evitar dizer algo sério e palpável, escondendo-se atrás de conceitos abstractos e chavões esotéricos.

Aliás, é altamente questionável que a Magic Leap tenha sequer utilizado a Rolling Stone para revelar uma tecnologia revolucionária. Quem desse lado alguma vez leu a Rolling Stone para se manter actualizado quanto ao mundo tecnológico? Ninguém? Exactamente.

A Magic Leap recorreu a uma publicação lida fundamentalmente por quem tem zero interesse em tecnologia e isso diz-me praticamente tudo o que preciso saber sobre o quanto a Magic Leap não quer ser dissecada por quem possa de facto ter alguma noção sobre realidade mista.

Mas no fundo pode ter resultado: amanhã a Magic Leap pode bem ter outro bilião na conta, continuando a não ter absolutamente nada para mostrar.

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