A história da HTC está intrinsecamente ligada à história da Google e, em particular do sistema Android. A marca de Taiwan fica na história como o fabricante do primeiro equipamento Android CDMA, o primeiro Nexus, e uma mão cheia de equipamentos absolutamente fascinantes na história das comunicações móveis. Mas o mercado é voraz, e os gigantes colapsam num ápice, e que o diga a Nokia. Neste panorama, a aquisição de parte da HTC por parte da Google pode ter sido a lufada de ar fresco de que a HTC necessitava. Esta aquisição pode ter sido a sua salvação e o mote para travar um declínio tão extraordinário quanto trágico. Percebamos porquê

Uma ascensão improvável

A HTC começa a fazer-se notar no final da primeira década deste século. Fundada em 1997, chega em dez anos aos tops de vendas, numa altura em que as economias Asiáticas mostravam uma pujança invejável. Coreia e Japão dominavam a electrónica, mas no mundo móvel marcas como Nokia ou Siemens eram quase obrigatórias. Nesses tempos, Sharp, Sony Ericsson, Philips, Alcatel ou Motorola faziam parte de um panorama em que a todo-poderosa Samsung era somente uma arrivista longe da importância que tem hoje em dia. Ninguém esperava que uma marca Asiática fosse capaz de chegar ao topo do mercado, mas a HTC provou que toda a gente estava errada. Eram os sinais do futuro, um em que a China dominaria este mercado.

Olhemos para estas marcas por um momento: fundada em 1865 para produzir pasta de papel, a Nokia só em 1922 entraria na electrónica com uma parceria com a Suomen Kaapelitehdas. 

A Siemens, entretanto, foi fundada em 1847 e entraria na electrónica em 1922, com a produção de rádios, não sem primeiro se tornar um dos maiores construtores aeronáuticos da Grande Guerra, com uma mestria incontornável na engenharia.

A Ericsson criou o seu primeiro telefone em 1879, a Sharp produziu o seu primeiro rádio em 1925, a Motorola demonstraria o primeiro rádio para automóveis em 1930, mudando o seu nome para reflectir a sua ligação aos motores.

Portanto o padrão era este: empresas centenárias dominavam no final do Século XX o panorama electrónico. Ninguém esperava uma ascensão meteórica como a que a HTC teve em menos de dez anos.

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Exactamente dez anos depois da sua fundação, o HTC Touch vendia 1 milhão de unidades em menos de meio ano, inovando com um ecrã táctil que permitia diversas funções sem necessidade de recorrermos a um stylus. Este dispositivo relembra-nos como a tecnologia móvel era mais diversificada por então: o sistema operativo era o Windows Mobile, o processador um chip da Texas Instruments. A chave era a inovação, algo em que a HTC tentaria apostar no futuro.

O Android começou aqui, com o HTC Dream de 2008.
O Android começou aqui, com o HTC Dream de 2008.

Mas seria em 2008 que a HTC ajudaria a revolucionar profundamente o mundo das comunicações móveis: foi nesse ano que o HTC Dream se tornou o primeiro smartphone Android a chegar ao mercado, começando uma relação extremamente íntima com a Google e que chegaria a ficar ainda mais estreita com o Nexus One de 2010, o primeiro smartphone da gama Nexus. Seguir-se-iam diversos dispositivos que seriam muito bem recebidos pela crítica e pelo público, graças a design distinto, inovação e uma qualidade de construção que ainda hoje permanece acima de qualquer crítica.

Entretanto, a HTC lançou em 2009 o HTC Magic. A sua importância foi enorme: foi o seu segundo Android, e o primeiro sem qualquer tecla física, mostrando que a marca continuava a surfar na crista da inovação.

Sem o saber, no entanto, a HTC tinha atingido o topo numa altura muito antes do boom do Android, e quando o sistema operativo começou a crescer, a HTC não viu as ameaças crescentes.

Os smartphones da HTC nunca estiveram em causa, mas tudo o resto foi a sua queda.

A queda em espiral

O modo como a mais amada marca de smartphones do final da década passada entrou em colapso daria um drama cinematográfico: envolve decisões desastrosas, arrogância, e completa cegueira corporativa.

Em 2007, a HTC posicionou-se como uma alternativa à Apple e, em vez de isso redundar no seu sucesso, poderá ter sido a primeira tábua do seu caixão. É quase anedótico pensar que a HTC injectaria $300 milhões na Beats que a Apple adquiriria por $3 biliões em 2014. A HTC não veria um tostão, tendo vendido as últimas quotas da empresa em 2013, e quem não percebe o potencial destas oportunidades está fadado a entrar em colapso.

O primeiro Android, o primeiro Google Nexus, o primeiro Pixel. A relação estreita com a Google não salvou a HTC.
O primeiro Android, o primeiro Google Nexus, o primeiro Pixel. A relação estreita com a Google não salvou a HTC.

No entanto, a HTC sempre seguiu o seu próprio caminho em termos de branding e preços: nenhum HTC dos últimos 5 anos pode ser considerado barato. Vendo-se de novo em 2009, a HTC manteve-se agarrada aos preços elevados, assistindo impávida e serena à ascensão das marcas Chinesas e da Samsung com os seus preços competitivos. O maior crime da HTC? Querer ser a Apple.

A partir de 2011, a HTC começou a concentrar-se em três ou quatro equipamentos anuais, todos de gama média ou alta, apostando fortemente em ser a marca premium. Não valia a pena, face a marcas ascendentes capazes de produzir equipamentos potentes e baratos. A HTC jamais recuou na sua estratégia até ser incapaz de ter argumentos para defender os seus equipamentos e empurrou-se contra um canto: desde 2011, o seu declínio nunca mais parou.

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Se as principais concorrentes da HTC tinham verdadeiros conglomerados à sua volta, com a Samsung a dar-se ao luxo de vender os componentes por si fabricados às marcas com quem competia (e o mesmo vale para a LG, Sony ou Huawei), os investimentos da HTC para se diversificar foram desastrosos. Entretanto, o marketing da HTC jamais conseguiu criar o charme da Apple ou da Samsung e a marca simplesmente se diluiu. Os preços pesados nos segmentos baixos seriam uma pedra no seu sapato.

Os resultados financeiros agudizaram-se e a empresa cortou em pessoal, cortou em estrutura e deixou de conseguir impor-se. Desde 2011 que as acções da HTC nunca mais pararam de cair, roubado fundos importantes ao seu funcionamento. O fim estava próximo.

A HTC é agora mais forte que nunca

Com a aquisição por parte da Google, a HTC prescinde de 4000 funcionários extremamente experientes na concepção de equipamentos. Estes nunca foram o problema, mas a gestão incompetente sim. Poderia pensar-se que, sem a porção Powered By HTC, a HTC estaria essencialmente amputada, mas a realidade é outra.

O HTC U11 inova e é bem recebido, mas não chega para inverter a sorte da HTC
O HTC U11 inova e é bem recebido, mas não chega para inverter a sorte da HTC

Quando os resultados financeiros da HTC foram revelados em Agosto de 2017 a realidade era desastrosa: a empresa sangrava dinheiro há 9 trimestres consecutivos. Para uma empresa cotada em bolsa, este problema cria consequências sistémicas, com quedas de acções a empurrar tudo para baixo.

Mas a HTC tem ainda truques na mão: a empresa espera lançar ainda 4 smartphones este ano, o que não seria possível sem uma injecção colossal de dinheiro que já poucos estariam dispostos a emprestar. Com este negócio HTC encaixa efectivamente $1.1 biliões de Dólares, poupando a curto prazo nas despesas com pessoal e R&D, e ainda mantém controlo sobre as suas inúmeras patentes, já que o negócio inclui a sua cedência não exclusiva à Google.

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$1.1 biliões de Dólares é certamente um investimento colossal. Com estes valores, a HTC pode enfim investir no lançamento dos seus próprios dispositivos, com uma margem de manobra apreciável, não descurando o marketing e quiçá novas parcerias estratégicas para retomar a presença em alguns mercados chave.

Com este negócio com a Google, a HTC tem a possibilidade de começar quase do zero, mas esta poderá ser bem a sua última oportunidade. A empresa terá de ultrapassar a mentalidade altamente hierárquica e rígida de muitos gigantes asiáticos, reinventar-se como a Nokia sob a HMD, e estabelecer uma verdadeira linha estratégica. A Google pagou-lhe para lhe limar as arestas e a HTC pode estar hoje o mais forte que esteve nos últimos anos.

As suas pernas têm agora força para andar, mas se o próximo passo der em tropeção, será a sua última queda.

 

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